segunda-feira, 6 de março de 2017

"Heliópolis" emociona crítica no Festival de Cinema de Locarno


Vida na Suíça
O ator Lázaro Ramos vive o maestro Silvio Baccarelli,
ensinando música clássica a jovens da favela
Dirigido por Sérgio Machado e produzido por Fabiano Gullane, o filme mostra o processo romanceado da formação da Orquestra de música clássica de Heliópolis com jovens da favela desse nome, perto do bairro paulistano do Sacomã. A produção que emocionou a crítica, foi apresentada no encerramento do Festival Internacional de Cinema de Locarno e por isso nem concorreu ao Prêmio do Público.

A Orquestra Sinfônica de Heliópolis começou a ser formada há vinte anos e hoje se apresenta com regularidade na Sala São Paulo, ao lado da Estação da Luz, na capital paulista, com turnês pelo Brasil e exterior. Os jovens favelados com talento musical revelaram-se dedicados no aprendizado de seus instrumentos, porém inicialmente não sabiam ler o pentagrama, claves e notas das partituras musicais.

Tudo começou quando, em 1996, o maestro Silvio Baccarelli viu pela televisão um incêndio na favela Heliópolis e decidiu dar cursos grátis de formação musical e instrumentos musicais aos filhos dos favelados. O primeiro grupo formado tinha 36 alunos, atualmente a Orquestra Sinfônica contra com mais de noventa músicos, é regida regularmente por Isaac Karabtchevsky e tem como patrono o maestro Zubin Mehta.

O filme incorpora situações vividas na época da preparação dos primeiros músicos, quando podiam brigar no meio dos ensaios, não sabiam se sentar e nem como segurar corretamente os instrumentos que tocavam. Quando a orquestra começou a fazer nome na favela, o chefe dos traficantes da região pediu para a orquestra tocar uma valsa no aniversário de quinze anos de sua filha. Um depoimento retomado no filme é o de uma aluna dizendo ter sido apanhada na rua e que só se sentia ela mesma nos ensaios da orquestra, tocando seu instrumento.

Todos os jovens da orquestra e todos os jovens participantes do filme, com exceção do ator principal Lázaro Ramos, são da favela de Heliópolis, exigência mantida para se garantir a veracidade e autenticidade do filme.

Sérgio Machado e seu produtor esperam ter o filme no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo. “O filme basicamente não é um filme sobre música mas sobre a chance de mudar de vida. Dez mil jovens da favela já passaram por essa escola, pertencente ao que se transformou no Instituto Baccarelli e quatro orquestras já foram formadas, uma delas tendo tocado para o Papa na sua visita ao Brasil. Não basta mostrar nossas favelas, é preciso dar aos jovens favelados uma oportunidade, ora a formação musical lhes dá essa oportunidade”, diz Sérgio Machado, cineasta baiano vivendo em São Paulo.

“Uma das primeiras apresentações no Brasil será na favela de Heliópolis, com o filme, a orquestra e um debate, num local com capacidade para vinte mil pessoas. Houve um grande aumento do consumo dentro da camada pobre da população, não há mais fome no Brasil, o que é importante. Na casa desses jovens há televisão e computadores, mas infelizmente a formação do povo em termos de cultura não andou nessa mesma velocidade”, diz o realizador do filme.

“Não existe mais fome e miséria no Brasil”, prossegue o diretor Machado, “mas isso criou um paradoxo: quando aumentou o consumo das pessoas das camadas mais pobres da população, elas não se sentiram mais bichos e passaram também a querer consumir cultura e ter o que outros tinham. Isso acabou por criar ainda mais choques com a população das classes superiores, que decidiram aumentar a altura dos seus muros de separação, como essa classe alta que vive em São Paulo nos condomínios fechados, com a tendência de se isolarem cada vez mais”.

“Porém, ao contrário de filmes como Tropa de Elite e Cidade de Deus, que falam de desesperança, eu acho e muitas pessoas em diversos lugares parecem também achar, haver esperança, devendo-se construir pontes em lugar de muros“, diz Sérgio Machado.

Uma cena marcante no filme é quando o professor de música Laerte bronqueia os alunos por não terem uma postura adequada ao aprendizado do seu instrumento, um relaxamento excessivo, e passa a exigir que se sentem, falem e toquem corretamente. “Eu acho essa cena importante, porque o professor vê seus alunos como pessoas”, diz Machado.

“Outra coisa importante: quando se dá a esses jovens uma oportunidade, uma chance, eles agarram com toda força e fazem tudo para merecer. Basta pouco para se obter muito”.

“Vamos ver se no dia do lançamento do filme, que deverá ser em novembro, a Orquestra Heliópolis tocará junto com a Orquestra Sinfônica de São Paulo. Essa será mais uma ponte criada”. A estreia do filme está marcada para o dia 12 de novembro em São Paulo. Ainda não estão definidas as datas na Suíça, mas já foi acertada a distribuição no país.

Sérgio Machado, diretor do filme que fez mesmo críticos chorarem com o filme considerado a surpresa final do Festival, fez sua formação na Bahia e trabalhou durante quinze anos, como assistente de direção do realizador Walter Salles. Seu primeiro curta-metragem foi „Troca de Cabeças“, em 1993. Seguiu-se „Onde a terra Acaba“, em 2001, exibido no Festival de Havana e do Rio. Seu primeiro longa, foi „Cidade Baixa“, em 2005, e depois „Quincas Berro d´Água“, em 2009, adaptado de um romance de Jorge Amado.

Por Rui Martins, jornalista, participou como convidado pelo Festival Internacional de Cinema Locarno.

Leia outras matérias na Edição 15 da Revista Linha Direta.

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